De Karin Hueck - Revista Superinteressante - Ed. 258 - nov/2008 Quando todas as coisas boas da vida – amor, dinheiro, sexo e diversão – se tornam motivo de preocupação, é sinal de que algo está errado. Entenda o que é a ansiedade e aprenda a conviver com esse sentimento, que é mais comum e antigo do que você imagina.
Vamos começar pelo final. Quando você terminar de ler esta reportagem, terá descoberto que ansiedade é o sentimento típico de quem vive no futuro, se preocupando com as coisas que ainda vão acontecer. E que, se estamos vivos hoje, é a ela que devemos agradecer, porque nos fez ser mais cautelosos durante séculos e séculos de evolução. Você também vai aprender que todos os tipos de ansiedade podem ser tratados com remédios ou terapia, mas que, por mais que eles atrapalhem o trabalho, o namoro, as coisas boas da vida e acabem com a sua paciência no trânsito, nem sempre é bom se livrar deles. Dá para conviver com a ansiedade pacificamente – e é isso que vai fazer a diferença na hora de reconhecer que nem tudo precisa ser motivo de preocupação o tempo todo.
Pronto, se, como bom ansioso, você queria saber como esta matéria vai acabar, não precisa mais correr para a última página. Pode seguir aqui, com calma, para entender de onde surgiu esse problema e para aprender por que falar de ansiedade está na moda. Há mais de 300 mil livros e 100 mil artigos médicos sobre o assunto, e o número aumenta todos os dias. Oito em cada 10 trabalhadores apresentam algum sintoma de ansiedade ao longo da carreira, segundo pesquisa de uma associação internacional voltada ao estudo do estresse. Em algum momento da vida, você vai sentir a sensação de que não vai dar conta das coisas. Não existe quem nunca tenha sofrido com a ansiedade. E, acredite se quiser, isso pode ser bom. Mas, afinal, o que é essa sensação?
O futuro é agora Ansiedade não é doença. Faz parte do nosso sistema de defesa e está projetada em quase todos os animais vertebrados, do peixinho dourado até aquela sua tia histérica. Foi ela que nos trouxe aqui através da evolução. A seleção natural, aliás, favoreceu animais e pessoas preocupadas em excesso. Imagine o seguinte: um grupo de homens das cavernas passeia pelos campos da PréHistória, quando, de longe, aparece um tigredentesdesabre enfurecido. Aqueles mais inquietos, atentos ao mundo à volta, escapam primeiro. Mas os distraídos (e menos ansiosos) são presas fáceis para o animal – e, assim, também acabam eliminados do rol genético da época. Transfira isso para milênios e milênios de evolução e o resultado é que todo mundo é ansioso em menor ou maior grau.
Hoje não há mais predadores vorazes à solta para nos atacar. Mas convivemos com outras ameaças. Psicólogos da Universidade Stanford, por exemplo, provaram que pessoas mais ansiosas perdem menos dinheiro em investimentos financeiros de risco. É simples: quem se preocupa demais aprende mais rápido quando o risco de perder dinheiro é real. Ou seja, a ansiedade pode salvar sua pele.
É meio complicado definir esse quadro. Sim, você sabe o que é ansiedade, mas consegue realmente explicála? O termo em si é novo, tem pouco mais de 100 anos de idade. O primeiro que falou em ansiedade da maneira como a conhecemos foi Sigmund Freud, no fim do século 19, e, ainda assim, com uma definição bem pouco precisa: ansiedade é o medo de “algo incerto, sem objeto”.
O significado mais aceito hoje em dia vem do psiquiatra australiano Aubrey Lewis que, em 1967, descreveu o termo como “um estado emocional com a qualidade do medo, desagradável, dirigido para o futuro, desproporcional e com desconforto subjetivo”. De uma forma geral, a ansiedade é um sentimento incômodo e projetado para o futuro. A pessoa ansiosa vive num estado de alerta constante por causa de uma situação que pode acontecer – e causar sofrimento. É o caso do homem que quer puxar assunto com uma mulher bonita, mas tem medo de ser rejeitado. A crise interna que ele sente nesse momento, em que não sabe se deve ir ou ficar na vontade, é a ansiedade.
Não é à toa que o medo é um sentimento essencial para descrever a ansiedade. Ambos surgem no mesmo sistema do nosso corpo, o límbico, e estão localizados nas mesmas regiões do cérebro: a amígdala, a substância cinzenta periaquedutal e o septohipocampal. As 3 são áreas que fazem parte do nosso mecanismo de defesa, que analisa o mundo à volta à procura de ameaças, registram os perigos e também armazenam novos riscos para o futuro.
A diferença entre as duas sensações está na distância do perigo: na ansiedade, o motivo de preocupação está no futuro; no medo, a ameaça está próxima. Quem teme constantemente ser assaltado na rua, vive num estado ansioso – mas, no momento do assalto, a pessoa sente simplesmente medo. O jeito como o corpo reage a cada um desses estados emocionais também é completamente distinto. Quando sentimos ansiedade, conseguimos agir racionalmente e traçar planos para eliminar o perigo com calma. Já quando sentimos medo, as nossas reações básicas são as mesmas de um animal acuado, que decide se enfrenta a ameaça ou se sai correndo para longe o mais rápido possível. Desde os anos 50, experimentos em ratos e macacos identificaram quais são as regiões do cérebro que regulam a ansiedade e quais são os comandos que elas liberam para o nosso corpo. Por meio de testes que medem as atividades neurológicas de cada área do cérebro, percebeuse que ratinhos ansiosos (aqueles que sentiram somente o cheiro de um gato, mas não o viram) tinham grande movimentação na lateral de sua amígdala e na parte central de seu hipotálamo. Assim, também descobriram que ratos sem a substância cinzenta periaquedutal não sentem medo e são capazes de passar na frente de gatos ou outros predadores tranqüilamente.
Mas infelizmente as coisas dentro da nossa cabeça são um pouquinho mais complicadas do que as dentro da cabecinha de um rato de laboratório. O que influencia, e muito, a ansiedade é a nossa maneira de pensar. “Se a pessoa é muito catastrófica e imagina o tempo inteiro que as coisas vão dar errado, ela sofre mais com a ansiedade”, diz Thiago Sampaio, psicólogo membro da Associação dos Portadores de Transtornos de Ansiedade (Aporta). Essa idéia de pensamento catastrófico faz uma pessoa ser mais preocupada do que outra. E é central para entender a ansiedade no ser humano.
Pegue o caso da mulher que está sozinha em casa e ouve um barulho na porta de entrada. Em vez de lembrar que é seu filho voltando da escola, ela imagina que são ladrões tentando invadir sua casa – e começa a sentir ansiedade. Se tivesse pensado que poderia ser simplesmente o filho, ela não teria sofrido nenhum desconforto. Por mais que essa linha de pensamento seja irracional e automática, é algo que podemos aprender a controlar – sozinhos ou com a ajuda de terapia. Assim, ao contrário do que acontece nos ratos, o processo cognitivo (que é a maneira como pensamos) é essencial para determinar o grau de ansiedade que cada pessoa vai sentir ao longo da vida.
Esse, aliás, é um dos pontos mais nebulosos da ansiedade. Por que meu amigo é tão tranqüilo e eu vivo em estado de preocupação? A resposta pode estar na genética e nas experiências de vida de cada um. Um experimento conduzido pela Universidade Columbia, nos EUA, mostrou que a ocorrência de transtornos de ansiedade, como síndrome do pânico e agorafobia, em gêmeos é de 30 a 40% maior, comparado com o resto da população. Outra pesquisa, da Universidade de Bonn, na Alemanha, até já arranjou o culpado para as nossas preocupações: o gene COMT. Um quarto da população mundial tem uma mutação nesse gene que determina a predisposição ao pensamento catastrófico. Sim, quem tem essa mutação pensa que as coisas sempre vão dar errado – e é mais ansioso.
O que também influencia na predisposição para ser mais ou menos ansioso são as experiências (traumatizantes ou não) que cada pessoa teve. Um homem que já foi assaltado no trânsito por um motoqueiro pode sentir desconforto toda vez que algum motoboy se aproxime do carro dele – mesmo que isso não represente ameaça alguma.
Há outro ponto gerador de ansiedade: ser mulher. Elas costumam sofrer mais com transtornos de ansiedade do que homens por dois motivos. O primeiro é hormonal: “A mulher não produz hormônios regularmente como o homem. No período prémenstrual, por exemplo, o cérebro dela fica privado de duas substâncias calmantes e antidepressivas, que são o estrógeno e a progesterona. Essa produção inconstante causa a TPM e a deixa mais vulnerável aos transtornos ansiosos”, diz Valentim Gentil, professor da USP e Ph.D. em psiquiatria pela Universidade de Londres. O segundo é social: para as mulheres, é natural expressar os sentimentos, e elas são treinadas desde pequenas a externar sensações normalmente. Já o homem aprende que sentir ansiedade é sinal de fraqueza, e tem de aprender a lidar com ela para ser mais bemaceito socialmente
Tempos ansiosos? Saber lidar com as preocupações se tornou uma característica desejada, porque a ansiedade foi relegada ao posto de vilã do mundo moderno. Apesar de ser essencial para a sobrevivência, ela ganhou o estigma de atrapalhar as relações pessoais, a competência no trabalho e todo tipo de situação delicada. “Se o candidato não consegue dominar a ansiedade na hora da seleção de emprego, já questionamos como ele agirá no ambiente de trabalho”, diz Adriana Vilela, analista de recursos humanos da RHBrasil, empresa que recruta candidatos para o mercado de trabalho. É muito comum, aliás, as pessoas reclamarem que são ansiosas demais e os especialistas chamarem os nossos tempos de “era da ansiedade”.
Mas essa noção de que vivemos numa época especialmente estressante é coisa ultrapassada, na verdade. A idéia de “era da ansiedade” nasceu antes da internet e do computador. Apareceu pela primeira vez em 1947, num poema do inglês Wystan Hugh Auden, que, desiludido com a humanidade depois da 2ª Guerra Mundial, criticou o homem e sua busca sem sentido por significado. Desde então, há pelo menos uma obra por década que afirma que o ser humano está passando pelos tempos mais difíceis de sua história e que, coitados de nós, sofremos demais com a ansiedade. Na década de 1950, a 2ª Sinfonia do músico americano Leonard Bernstein foi chamada de “era da ansiedade”. Além disso, há quase 4 mil trabalhos acadêmicos que usam essa expressão como base teórica – de dissertações sobre religião a doutorados em farmacologia. Parece que a ansiedade está intrinsecamente ligada à noção de modernidade. Mas será que há realmente épocas mais ansiosas do que outras?
“É impossível dizer que somos mais preocupados hoje em dia, porque não tínhamos tantos indicadores antigamente. E não podemos nos esquecer que vivemos hoje num tempo onde a psicologia e a psiquiatria têm um papel muito importante”, diz o professor de sociologia da Universidade de Kent, Iain Wilkinson, que também escreveu um livro sobre o assunto. Antes da ascensão da psicologia, no começo do século 20, ninguém tinha o hábito de pensar em seus problemas mentais e todos os distúrbios espirituais eram tratados como doença.
O que sabemos de fato, por relatos, é que já se sofria fisicamente com esse mal. O poeta inglês do século 14 Thomas Hoccleve dizia que convivia constantemente com um “forte peso” dentro do peito, e há registros de pessoas que se sentiam “doentes de preocupação” já no século 18. Isso muito antes de Freud e do avanço da psicologia. “Hoje em dia, a indústria farmacêutica faz de tudo para vender remédios. Tem muita gente se medicando com drogas psiquiátricas, então parece que todo mundo sofre com a ansiedade o tempo todo”, diz Renata Salecl, professora de direito da London School of Economics, na Inglaterra, e autora do livro Sobre a Ansiedade. Ou seja, não dá para saber exatamente se há mais pessoas ansiosas nos nossos dias ou se parece que somos mais ansiosos simplesmente porque sabemos que essa condição existe.
Na verdade, a palavra ansiedade tem uma genealogia milenar. Veio primeiro do alemão: Angst; depois do grego antigo: ; e do latim: angor. E angor, por sua vez, procedeu da palavra egípcia ankh. No Egito antigo, esse era o nome dado ao símbolo do sopro da vida, que tinha origem na primeira tomada de ar de um bebê na hora do nascimento. Ou seja, já na raiz mais remota, a ansiedade estava relacionada à respiração – ou à falta dela.
E nada indica que a vida dos nossos antepassados era mole. Epidemias, por exemplo, eram freqüentes e fatais. No século 14, um terço dos europeus morreu por causa da peste bubônica. Mas nem é preciso ir tão longe: em 1889, um surto de febre amarela matou ou afugentou 90% dos habitantes da cidade de Campinas, no interior de São Paulo. Em 1902, uma em cada 4 crianças que nascia na capital paulista não passava do 1º ano de vida. Imagine a ansiedade que as mães sentiam cada vez que um filho vinha ao mundo, sem saber se ele iria sobreviver. Isso sem mencionar as condições de higiene, alimentação e habitação – parcas – daquela época.
“Enquanto que na Antiguidade, a ansiedade surgia de fatores externos, como doenças e catástrofes naturais, a dos nossos tempos é imposta por nós mesmos. Podemos até chamála de ansiedade neurótica”, diz Christian Perring, professor de filosofia da Universidade Dowling em Nova York, que estuda a relação entre filosofia e psiquiatria. Os fatores que mais causam preocupação atualmente são coisas muito menos tangíveis, como satisfação no emprego, realização amorosa, visual perfeito. Como nossos antepassados ainda estavam ocupados em sobreviver, dificilmente tinham as crises e neuroses que temos agora. De fato, boa parte das nossas apreensões vem das milhares de possibilidades de escolha que temos hoje em dia.
As opções são muitas. Se no século 18, havia apenas 20 empregos diferentes nos quais uma pessoa podia fazer carreira, hoje esse número já passa dos 20 mil – e continua aumentando. O tempo que cada trabalhador passa num emprego também não pára de diminuir. O Ministério do Trabalho dos EUA calcula que um empregado vá passar por 10 a 14 cargos diferentes antes dos 40 anos. O número de divórcios aumentou 13 vezes em 3 décadas. Esses dados são impressionantes, se lembramos que antigamente casamento e emprego duravam muito mais, se não a vida inteira. “Vivemos a ideologia da escolha, somos donos da nossa própria vida e só dependemos de nós mesmos para encontrar a felicidade. Essa idéia de liberdade é atual e causa muita ansiedade”, diz Renata Salecl, da London School of Economics.
Quem colocou o assunto no repertório dessa maneira foram os filósofos existencialistas, na metade do século passado. Os franceses JeanPaul Sartre, Albert Camus e Simone de Beauvoir passaram livros e mais livros discutindo de que maneira a quebra das formas tradicionais de família e religião afetou a humanidade. Quando a maior preocupação dos homens deixou de ser o destino de sua vida após a morte (o céu, o inferno, o purgatório), eles começaram a se preocupar em criar valores e morais próprios. E isso causou uma ansiedade tremenda.
Processar os dados Mas, se há um fator gerador de ansiedade que seja típico dos nossos tempos, esse é a informação. Sim, são as coisas que você lê todos os dias nos jornais, recebe por email e aprende na SUPER. Diariamente, há notícias de novos alimentos que causam câncer, de novos vírus mutantes que atacam o seu computador, de novos criminosos violentos que estão à solta por aí. É ou não é de enlouquecer?
A velocidade com que a informação viaja o mundo é algo muito recente, com o qual os seres humanos ainda não sabem lidar – e muito menos aprenderam a filtrar. Já foram cunhados até alguns termos para definir a ansiedade trazida pelos novos meios de comunicação: technologyrelated anxiety (ansiedade que surge quando o computador trava, que afeta 50% dos trabalhadores americanos), ringxiety (impressão de que o seu celular está tocando o tempo todo) e a ansiedade de estar desconectado da internet e não saber o que acontece no mundo, que já contaminou 68% dos americanos.
E a tendência é só piorar. De acordo com Richard Saul Wurman, em seu livro Ansiedade de Informação, uma edição de domingo do jornal The New York Times tem cerca de 12 milhões de palavras e contém mais informação do que aquela que um cidadão do século 17 recebia ao longo de toda a vida. A capacidade de computação mundial aumentou 8 mil vezes nos últimos 40 anos. Com esse ritmo, especialistas calculam que produzimos mais informação na última década do que nos 5 mil anos anteriores. E todo esse acúmulo causa ansiedade. “Nós não fomos desenhados pela evolução para lidar com tanta informação”, diz Christian Perring.
Poucas coisas mudaram tão rapidamente como a troca de informações. Em 1801, a notícia de que Portugal e Espanha estavam em guerra demorou 3 meses para chegar ao Rio Grande do Sul. Quando chegou, o capitãodearmas do estado declarou guerra aos vizinhos espanhóis, sem saber que a batalha na Europa já tinha terminado. Em 2004, quando um tsunami devastou o litoral do Sudeste Asiático, os primeiros blogs já estavam dando detalhes da destruição em menos de duas horas.
Hoje em dia, ficamos sabendo de todos os desastres naturais, todos os ataques terroristas e todos os acidentes de avião que acontecem ao redor do mundo, e nos sentimos vulneráveis. E, muito mais do que isso, nos sentimos incapazes se não sabemos palpitar sobre a música da moda, a eleição americana ou o acelerador de partículas na Suíça. Já que a informação está disponível, por que não sabemos de tudo um pouco? Essa avalanche de informação também causa outro tipo de neurose.
O tempo todo, as TVs e revistas do mundo exibem corpos esculturais, executivos milionários e atletas de alto rendimento. Na comparação com essas pessoas, nós, reles mortais, sempre saímos perdendo. “Claro que nos comparamos com quem é bemsucedido e maravilhoso. Infelizmente, não estamos preparados para viver com um grupo de comparação tão grande, e o resultado é que ficamos ansiosos e com baixa autoestima”, diz o filósofo Perring. O que ele quer dizer é que o ser humano sempre funciona na base da comparação. Ou seja, se todo mundo ao seu redor tiver o mesmo número de recursos, você não vai se sentir pior do que ninguém. Mas, se, de repente, uma pessoa do seu lado ficar muito mais rica, bonita, feliz e bemsucedida, você vai se sentir infeliz. Quer dizer, podemos não sofrer mais com a falta de comida ou com doenças, mas sofremos porque não somos todos iguais ao Brad Pitt e a Angelina Jolie.
Amiga ou inimiga? Todos esses motivos que nos preocupam diariamente não apagam um fato: ansiedade às vezes atrapalha. Quem nunca teve um branco na hora de uma prova ou não conseguiu dormir por causa de uma pendência no trabalho? Essas pequenas preocupações afetam o cérebro e o corpo, e muitas vezes podem até virar doença. Basta pensar nas reações físicas que sentimos quando estamos muito ansiosos: falta de ar, taquicardia, boca seca, tremedeira, sudorese. Sem falar nos problemas psicológicos: insônia, insegurança, irritabilidade, tristeza. São mais de 30 sintomas que podem aparecer do nada.
Quer dizer, do nada, não. Quando estamos preocupados, aquelas partes do cérebro responsáveis pela sensação de medo e de ansiedade, a amígdala e o hipotálamo, interpretam que o corpo está correndo perigo. Liberam hormônios, principalmente a adrenalina e os glucocorticóides, que aumentam o batimento cardíaco e a respiração (daí vem a taquicardia e a falta de ar), inibem o sistema digestivo (boca seca) e trabalham para evitar o aquecimento excessivo do corpo (suor). Em suma, preparam o corpo para lutar ou fugir. Acontece que na ansiedade o perigo não é iminente, porque está projetado no futuro – muitas vezes nem há ameaça concreta. E o corpo fica alterado à toa.
Para complicar, a linha que separa a ansiedade normal da exagerada é muito tênue e varia de pessoa para pessoa. Tem quem lide muito bem com uma rotina agitada, enquanto que outros não podem nem pensar em ter preocupações. “A ansiedade se torna patológica quando começa a atrapalhar a vida do paciente”, diz Márcio Bernik, coordenador do Ambulatório de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Ou seja, é arbitrário. Quando isso acontece, pode ser sinal de transtorno. No Brasil, estimase que 23% da população tenha algum tipo de distúrbio ansioso ao longo da vida. São eles: a síndrome do pânico, o estresse póstraumático, as fobias, o transtorno obsessivocompulsivo e o transtorno de ansiedade generalizada. A probabilidade de morrer de problemas cardíacos pode ser até 4 vezes maior para quem tem algum desses transtornos. Parece assustador, mas a boa notícia é que todos têm cura.
Na verdade, todo tipo de ansiedade pode ser melhorado – e a humanidade tenta dar um jeitinho nisso desde sempre. Antes da descoberta dos ansiolíticos e antidepressivos, na década de 1950, a ansiedade era contornada com bebidas alcoólicas. E o pior é que encher a cara para esquecer as preocupações funciona. O que também funciona é consumir ópio, por exemplo. Só há um problema: essas substâncias têm uma margem de segurança baixa e é muito fácil se viciar ou tomar uma dose excessiva. Ou seja, melhor não tentar isso em casa. “É ótimo que hoje em dia existam medicamentos. Hoje, em vez de indicar um balde de rum para o paciente, posso prescrever um ansiolítico”, diz Valentim Gentil.
Os remédios mais eficientes para diminuir a ansiedade são os benzodiazepínicos ou ansiolíticos (Valium, Dienpax, Lexotan etc). O processo é o seguinte: as áreas do cérebro responsáveis pela ansiedade têm milhares de receptores de benzodiazepínicos (vamos chamálos de BZ a partir de agora). Quando o BZ chega a esses receptores, o cérebro começa a produzir ácido gamaaminobutírico (Gaba). E aí está o segredo: o Gaba é um forte sedativo do sistema nervoso e inibe a atividade das áreas que normalmente produzem ansiedade. A grande maravilha é que o Gaba ainda consegue evitar que o cérebro aprenda novos motivos de preocupação. Perfeito, não? Quase. “Os benzodiazepínicos são ideais para ansiedades pontuais, como quem tem medo de avião, por exemplo. O problema é que eles podem viciar”, diz Márcio Bernik.
Outro tipo de medicamento são os serotonérgicos, vulgo antidepressivos (Prozac, Zoloft etc). Esses remédios aumentam a concentração de serotonina no nosso corpo ao impedir que esse neurotransmissor seja reabsorvido nas sinapses no cérebro. Como a serotonina regula vários processos internos, inclusive os que influenciam o humor, ela é eficiente para controlar a ansiedade. É tão essencial que aquelas pessoas que têm mais serotonina no corpo também têm mais resistência a situações de estresse.
Os químicos podem até ajudar o cérebro a não se preocupar demais, mas não adiantam nada se a pessoa continuar pensando catastroficamente. Lembra que boa parte da nossa ansiedade vem dos nossos pensamentos? Por isso, recomendase que os medicamentos sejam tomados juntamente com sessões de terapia, para mudar a forma de pensar dos pacientes. A terapia mais usada é a cognitivocomportamental, a TCC. “Não existe terapia mais efetiva para tratar qualquer quadro psiquiátrico, inclusive os transtornos de ansiedade”, diz o professor de psicologia da UFRJ, Bernard Rangé. A afirmação é embasada por um estudo da Universidade de Boston: a conclusão é que a TCC é eficiente em 71% dos pacientes com síndrome do pânico, contra apenas 25% dos outros tipo de terapia. A primeira coisa que a TCC faz é questionar a linha de raciocínio do paciente. Por meio de perguntas, o terapeuta tenta convencêlo de que seus problemas não podem ser tão grandes quanto ele imagina. Se o motivo de ansiedade for algum ponto específico, como uma fobia, o método mais usado é o tratamento de exposição. Digamos que o paciente tem medo de falar em público. Provavelmente, o terapeuta vai estimulálo a passar por essa situação bem aos pouquinhos. Os resultados aparecem a partir de 3 ou 4 semanas.
Mas cuidado para não exagerar. Como a ansiedade virou um mal do mundo moderno, é cada vez mais comum pessoas recorrerem a tratamentos para eliminar qualquer tipo de preocupação. Mas nem todas as dores de cabeça são problemas de verdade. “Não podemos simplesmente reprimir a ansiedade. O mundo precisa ter pressa, energia e motivação, e a nossa sobrevivência depende disso”, diz Valentim Gentil. A ansiedade é como uma febre: um sintoma de que algo está errado. Se simplesmente tratarmos a febre, podemos ignorar o real problema – e isso é perigoso. O grande desafio é descobrir os motivos da inquietação.
Na maioria dos casos, a ansiedade diminui quando há o enfrentamento direto do problema. Ou seja, se a dificuldade estiver no futuro e distante, a inquietação não vai passar. Não tem muito segredo, é só mentalizar que os problemas lá na frente não podem ser tão grandes assim. Infelizmente, não existe uma forma mágica para diminuir a ansiedade, mas o mecanismo é meio parecido com o do pensamento positivo. Pensar que as coisas vão dar certo diminui o pensamento catastrófico e, assim, a ansiedade. E, se os problemas ainda afligem demais, podemos seguir o exemplo de algumas cidades nos EUA. Elas instituíram um dia para extravasar as preocupações, o 9 de março, e o chamaram de Dia do Pânico. Nessa data vale tudo: gritar, espernear, surtar e botar para fora todas as ansiedades. Vale a pena tentar.
Prezadas e Prezados. Gostaram? Ou ficaram ansiosa/os e já pularam para cá? Se enxergaram em alguma das situações? E então, no que vocês acreditam que tudo isso afeta o seu comportamento e o comportamento do consumidor em especial?