Por Hélio Schwartsman - Folha de S. Paulo - 4/8/2013
Deu no "New York Times" que, depois que a Austrália implementou uma nova legislação que tornou os maços de cigarros mais repulsivos, com fotos explícitas das moléstias provocadas pelo tabagismo, fumantes começaram a queixar-se de que o sabor de seus cilindros tóxicos mudara para pior.
Como nada foi alterado no processo de fabricação dos cigarros, a resposta para a sensação dos fumantes só pode estar na psicologia.
Nosso cérebro, apesar da aparência de seriedade, é um grande farsante. Sobretudo nas faixas que operam abaixo do radar da consciência, que correspondem a algo como 98% dos processos, ele preenche os espaços para os quais não há informação com invencionices. Isso vale para tudo. Um caso emblemático é a visão. As "imagens" que chegam da retina não passam de um borrão desfocado com um grande buraco no meio. As áreas corticais destinadas à visão, valendo-se principalmente de nossa experiência passada, é que vão pacientemente reconstruindo tudo de modo a criar uma interpretação coerente para o que vemos.
As coisas não são diferentes com o gosto. Ao contrário até, por ser um sentido relativamente pobre, está sujeito a todo tipo de interferência olfativa, tátil e se deixa facilmente levar pelo contexto. Uma boa apresentação e um serviço eficiente melhoram o gosto da comida servida no restaurante. Psicólogos já provaram que um vinho ordinário de R$ 20 fica bem mais saboroso quando etiquetado como uma garrafa de R$ 90.
Talvez pudéssemos explorar melhor essa faceta de nossas mentes. É possível que, associando desde cedo drogas a valores negativos, consigamos reduzir os casos de dependência sem necessidade de criar custosas e ineficazes máquinas repressivas. Minha impressão é a de que algo assim já está acontecendo com o fumo, que vem perdendo adeptos desde que o "Zeitgeist" lhe atribuiu uma carga moral negativa.
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