Por Peter Moon - Revista Época - Ed. 772 - 11 março 2013
O criador da sociobiologia explica sua nova tese sobre a seleção
natural, resultado da tensão permanente nos seres humanos entre egoísmo e
altruísmo.
Edward O. Wilson é considerado o maior biólogo vivo. Especialista em
formigas, Wilson, nos anos 1970, criou a sociobiologia, um campo
científico que estuda as sociedades dos insetos. Desde então, somou a
seu pioneirismo científico na Universidade de Harvard uma brilhante
carreira literária. É o único autor a ganhar um prêmio Pulitzer por um
livro de biologia. O último livro lançado por Wilson – aos 83 anos,
quando se pensava que não tinha mais nada a dizer – propõe uma inovadora
a visão científica da evolução humana. Segunda ele, a lógica que
explica a formação dos formigueiros também se aplica à humanidade.
Centenas de biólogos se insurgiram contra sua teoria. Seu maior crítica
foi o também escritor e cientista Richard Dawkins. "Ele não é um
cientista. É um escritor de ciência", afirma Wilson.
ÉPOCA – O senhor estuda formigas. É o maior especialista no assunto. Como a biodiversidade brasileira influiu em sua carreira?
Edward O. Wilson – Vou contar um caso curioso. Cresci em
Mobile, no Alabama. Desde criança, colecionava insetos e borboletas.
Certo dia, em 1942, achei uma formiga que nunca tinha visto antes.
Descobri que não era americana, mas brasileira, da espécie lava-pés
(Solenopsis invicta).
Aquelas formigas eram invasoras biológicas. Tinham desembarcado no
Porto de Mobile dentro da carga de navios vindos do Brasil. Desde então,
a formiga lava-pés se tornou uma praga. Ela, hoje, infesta o sul e o
sudeste dos Estados Unidos. Quem primeiro identificou a invasão fui eu.
Foi minha primeira descoberta científica. Só tinha 13 anos. Foi por
causa da lava-pés que acabei dedicando minha vida ao estudo das
formigas.
ÉPOCA – Certa vez, o zoólogo brasileiro Paulo Vanzolini,
ex-diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, disse que
vocês são amigos.
Wilson – Sim. Conheço Vanzolini desde 1950, quando cursávamos o
doutorado aqui na Universidade Harvard, em Boston. Lá se vão 60 anos de
amizade.
ÉPOCA – Vanzolini (autor do célebre samba “Ronda”) é um famoso compositor de sambas...
Wilson – Claro! Ele vivia tocando violão aqui na universidade.
Vanzolini é um grande biólogo e um grande homem. É especialista nos
répteis do Cerrado brasileiro. Gosto dele, mas não o vejo faz anos,
desde minha última ida a São Paulo. Estive no Brasil três vezes, entre
São Paulo, Rio de Janeiro e Amazônia.
ÉPOCA – Nos anos 1970, havia um programa de perguntas e respostas de sucesso na TV brasileira, o Oito ou oitocentos?.
Um dos grandes vencedores foi o biólogo Mario Autuori (1906-1982),
ex-diretor do Zoológico de São Paulo. Ao longo de 17 semanas, milhões de
brasileiros ficaram conhecendo tudo sobre o mundo das formigas. O
senhor chegou a conhecer o professor Autuori?
Wilson – Sei quem ele era, mas nunca o conheci pessoalmente.
Que bom que os brasileiros puderam conhecer um pouco sobre as formigas
na TV brasileira! Elas são animais fantásticos. Há 14 mil espécies. Seu
estudo não tem fim. As formigas são animais que desenvolveram uma
organização social fascinante, que só rivaliza com a sociedade dos
cupins, das abelhas e do ser humano.
ÉPOCA – O senhor explica a evolução de sociedades animais como as formigas com o conceito de seleção de grupo. O que é isso?
Wilson – Segundo o mecanismo da seleção natural de Charles
Darwin, a evolução das espécies se processa quando os indivíduos com
características vantajosas à sobrevivência da espécie acasalam e
transmitem tais características às gerações futuras. Essa é a seleção
individual, que ocorre no nível do indivíduo. Ela não se aplica às
formigas. Entre elas, quem atua é a seleção de grupo. As formigas
operárias não acasalam, logo não transmitem seus genes. A única fêmea
que reproduz é a rainha. Ela é mãe de todas as formigas e transmite seus
genes a todo o formigueiro. Segundo a seleção de grupo, às operárias
não importa que jamais reproduzam nem transmitam genes. Elas evoluíram
para contribuir para a sobrevivência do formigueiro.
ÉPOCA – Em seu novo livro, A conquista social da Terra,
o senhor afirma que nem a seleção individual nem a seleção de grupo se
aplicam ao ser humano. Em seu lugar, o senhor propõe uma nova teoria, a
seleção multinível, uma combinação da seleção individual e de grupo.
Wilson – A seleção multinível é o principal motor da evolução
humana. Ela é o produto do conflito entre as escolhas egoístas da
seleção individual e as escolhas altruístas da seleção de grupo.
ÉPOCA – Como assim?
Wilson – A condição humana é produto da história, não apenas
dos últimos 6 mil anos, mas de milhares de milênios. Cerca de 2 milhões
de anos atrás, na África, nossos ancestrais do gênero
Australopithecus
tinham uma dieta vegetariana. Aos poucos, como comprovaram os
paleontólogos, aqueles primatas foram tomando gosto pelo consumo de
carne. A transição de uma dieta vegetariana para outra carnívora não
poderia ocorrer em bandos de caçadores que fossem sedentários, como
acontece com os chimpanzés de hoje. Seria mais eficiente manter um
acampamento em que as mulheres pudessem tomar conta das crianças e
mandar caçadores atrás da caça para alimentar o grupo. Apesar dessa
divisão de tarefas, nem todos os caçadores nem todas as mulheres
poderiam conquistar o direito de acasalar, ter filhos e transmitir seus
genes. Mesmo assim, todos continuam contribuindo para a sobrevivência do
bando.
ÉPOCA – O senhor diz que é o conflito entre altruísmo e egoísmo é o que define a condição humana.
Wilson – A seleção individual tende a promover o egoísmo e o
interesse individual dentro da família, enquanto a seleção de grupo
promove as características que fazem o grupo prevalecer. Entre elas,
está a moral, o altruísmo, a coragem, a fidelidade e a lealdade. A
seleção natural do ser humano é resultado da tensão constante entre
esses dois níveis. A seleção individual é responsável pela maioria das
coisas que definimos como pecado entre os seres humanos. A seleção de
grupo é responsável por nossas virtudes. A generosidade, que
originalmente se sobrepôs a nossos instintos egoístas mais primitivos,
foi o principal ingrediente da evolução humana.
ÉPOCA – Bem e mal, direita e esquerda, capitalismo e comunismo.
O que move a evolução humana é a luta constante entre ideias e sistemas
econômicos e sociais antagônicos?
Wilson – Essa é uma hipersimplificação, é claro, mas há uma
verdade essencial na afirmação. Sim, evoluímos graças à luta do bem
contra o mal. Esse conflito tem guiado a evolução humana até hoje.
Quando se pensa nisso como uma possibilidade, fica muito mais fácil
descobrir como surgiram as contradições da mente humana, de onde vem a
consciência e por que parece impossível viver em paz com nosso
semelhante, quanto mais viver em paz com nossa própria consciência. Sei
que essas afirmações são um grande salto para a psicologia – e que não
são nem um pouco científicas. Na minha opinião, nossa espécie é fruto de
pressões evolutivas individuais e coletivas. Juntas, elas criaram o
conflito entre os melhores e os piores sentimentos da natureza humana.
ÉPOCA – Como pode comparar formigueiros com tribos e nações? Somos animais racionais dotados de cultura, não insetos.
Wilson – Seria um erro comparar formigas com humanos. O que
comparei foram apenas os eventos na seleção natural que contribuíram
para a evolução de formigas e do ser humano. As formigas vivem em
sociedades extremamente complexas. Antes da evolução do ser humano, a
sociedade das formigas era a mais avançada do planeta. A vida em
sociedade evoluiu apenas 17 vezes durante os 4 bilhões de anos da
história da vida na Terra. Entre as dezenas de milhões de espécies
extintas e os milhões de espécies viventes, só 17 passaram a viver em
sociedade. É o caso do homem e das formigas, mas também das abelhas e
dos cupins. Homens são totalmente diferentes de formigas, mas as
pressões adaptativas que levaram à evolução dos formigueiros podem ser
comparadas às pressões instintivas que desembocaram na civilização
humana.
ÉPOCA – Sua teoria da seleção multinível aplicada ao homem é
rechaçada por centenas de cientistas. O senhor é acusado de ter uma
visão reducionista e simplificadora da condição humana.
Wilson – Na ciência, quando são feitas perguntas importantes e
se descobrem respostas originais, elas sempre causam controvérsia. Na
minha carreira fui abençoado por contar com inimigos brilhantes, como o
biólogo James Watson
(ele descobriu, com Francis Crick, a molécula do DNA) e
o paleontólogo Stephen Jay Gould. A crítica é parte essencial do método
científico. Nos anos 1960, quando um grupo de biólogos – entre eles, eu
– propôs que a cultura influencia a evolução de nossa espécie, os
antropólogos se insurgiram. Disseram que estávamos loucos, que era
impossível e que os genes não guardam relação alguma com a cultura.
Hoje, ninguém mais duvida de que a cultura influencia a evolução
biológica do Homo sapiens.
ÉPOCA – O biólogo inglês Richard Dawkins é seu crítico mais
ferrenho. Ele afirma que ninguém aceita sua teoria, que o senhor não
reconhece esse isolamento e, por isso, sofre de uma “arrogância
absoluta”. Ele defende a tese de que seu livro seja “ignorado e jogado
no lixo”.
Wilson – (Gargalhada) Desculpe-me por rir. Richard
Dawkins não é um cientista. É um escritor de divulgação científica. Ele
só escreve sobre o que os outros descobrem. Dawkins já foi cientista.
Ele não entra num laboratório nem publica um trabalho científico há
muitos anos. Ao criticar minha teoria, ele mostra seu total
desconhecimento da teoria evolutiva. Repete o que seus amigos dizem. Ele
não sabe o que fala. Dawkins está muito contrariado, porque o conteúdo
de vários livros seus sobre a evolução humana perdeu o sentido ao não
levar em conta a seleção multinível. Não gosto de desmerecer um escritor
de sucesso como Dawkins, mas, ao criticar-me, ele foi muito além de sua
própria capacidade de análise.
Prezadas e Prezados, como puderam ver, são opiniões controversas. Qual a sua opinião e como esse tipo de pesquisa podem influenciar nos estudos de comportamento do consumidor?