Por Marina Pita e Renato Godoy (*), especial para o Blog do Sakamoto - 11/03/2016.
Uma criança se joga no chão e grita, para desespero dos pais:
– Eu quero! Eu queroooo!
Em
seguida, metade dos olhares do recinto se voltam à cena. A mãe não é
forte o suficiente para dizer “não” – julga a maioria. Foram fracos ao
educar a criança que, agora, pensa que precisa daquele objeto, daquela
guloseima para ser feliz. Desculpem, mas tenho que concordar com os
olhares julgadores.
A mãe…sim, ela é fraca. O pai é fraco. A família é pouco.
Mas
não é por incompetência. E sim porque lutam contra uma indústria
bilionária que, sem vergonha alguma, anuncia para crianças, fazendo uso
de recursos altamente sofisticados, como o neuromarketing – que utiliza
até eletroencefalogramas para prever a reação do cérebro aos estímulos
da comunicação mercadológica. Ou seja, dos anúncios.
Contra
bilhões e os maiores recursos já desenvolvidos pela ciência, fica
difícil mesmo. Ainda mais quando não se tem capacidade crítica formada.
Experimente observar a publicidade com a perspectiva de uma criança de
quatro anos.
Qual a diferença entre conteúdo e comercial? Aquelas
figuras que dizem “informe publicitário” não te dizem nada. Há apenas
aquele personagem criado para se comunicar com você, que voa, cheio de
cores, musiquinha, dizendo que aquele é o melhor produto ou que ele é o
produto. De forma disfarçada e mais sofisticada, é o velho clássico
“compre batom”.
E nós, como sociedade, lavamos as mãos. Aceitamos
que a prática antiética continue. Individualizamos o problema. Os
favorecidos garantem que seus filhos não sejam reféns e deixam que
milhares de crianças fiquem à mercê da publicidade porque seus pais não
podem passar o dia ao lado de seus pequenos, ou não podem pagar para que
alguém o faça. E aí, é muitas vezes a TV que cumpre o papel de
entreter.
Nós ignoramos que as crianças são estimuladas “só” pelos
maiores conglomerados do mundo a consumirem quantidades exorbitantes de
sódio, açúcar e gordura.
E #CadêABerinjelanaTV? Quem está pagando para elevar o status do brócolis a super star? A família sozinha.
As
crianças que assistem à publicidade aprendem que só serão bem sucedidas
se tiverem tal tênis, tal celular, tal carro. E as julgamos
delinquentes quando acreditam nisso e, sem perspectivas, decidem “ser
alguém'' na marra, em um assalto. Ser ninguém por toda uma vida ou
correr o risco?
Por esses motivos, que a decisão unânime do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), nesta quinta (10), é um marco em
direção à civilidade. No caso, a Bauducco é processada pelo Ministério
Público de São Paulo, após denúncia do Instituto Alana, por meio do
projeto Criança e Consumo, por oferecer relógios de pulso do personagem
infantil Shrek, em troca de cinco embalagens de um biscoito (leia-se
farinha e açúcar), além de pagamento de R$ 5. A empresa perdeu.
O ministro Herman Benjamin, autoridade no tribunal em Direito do Consumidor, declarou em seu voto que:
“O
julgamento de hoje é histórico e serve para toda a indústria
alimentícia. O STJ está dizendo: acabou e ponto final. Temos publicidade
abusiva duas vezes: por ser dirigida à criança e de produtos
alimentícios. Não se trata de paternalismo sufocante nem moralismo
demais, é o contrário: significa reconhecer que a autoridade para
decidir sobre a dieta dos filhos é dos pais. E nenhuma empresa comercial
e nem mesmo outras que não tenham interesse comercial direto, têm o
direito constitucional ou legal assegurado de tolher a autoridade e bom
senso dos pais. Este acórdão recoloca a autoridade nos pais''.
E
eis que as famílias terão alguma folga, já que agora muitas organizações
da sociedade civil saem fortalecidas para cobrar que a decisão seja
cumprida em outros casos semelhantes – de publicidade infantil e venda
casada. Agora, a discussão mudou de patamar. Acabou. É jurisprudência: a
publicidade infantil é abusiva e, portanto, ilegal.
Mesmo assim,
ainda há trabalho pela frente, mas é bom quando deixamos de ser cínicos e
admitimos que a criança gritando ali no chão do supermercado também é
culpa nossa e temos decisões a tomar enquanto sociedade.
(*)
Marina Pita é jornalista, consultora do Projeto Criança e Consumo e
conselheira do Coletivo Intervozes, e Renato Godoy é jornalista e
pesquisador do Instituto Alana.
Levando-se em conta que se trata de um artigo opinativo, e que vocês não são necessariamente obrigados a concordar com tudo, prezada/os, qual a sua opinião sobre isso? Use argumentos a partir do que temos conversado em sala de aula sobre motivações.