Pouca diferença.Produtos gourmet em supermercado tinham os mesmo ingredientes que os “normais. Crédito: Lincon Zarbietti/O Tempo |
Para especialista, indústria cria hierarquia para vender alimento tido como melhor por consumidor
Por Ludmila Pizarro - O Tempo - 21/5/2017
A decisão de pagar R$ 17 ou R$ 60 pelo quilo do café é do consumidor. O que está por trás dessa escolha foi o que instigou o economista Valter Palmieri Júnior a defender a ideia de que a gourmetização é um reflexo de como classes sociais diferentes relacionam-se com o consumo de alimentos. “A indústria alimentícia se apropria dos discursos alimentares relacionados à saúde, ou ao prazer, e cria uma diferenciação social, porque a classe mais pobre não tem acesso aos chamados ‘produtos gourmet’”, diz. Palmieri apresentou a tese de doutorado “A gourmetização em uma sociedade desigual: notas sobre a diferenciação do consumo de alimentos industrializados no Brasil”, em abril, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).Para ele, essa diferenciação se dá pelo preço, que nem sempre representa um produto melhor. Ele adverte que muitas vezes o gourmet é uma estratégia de venda, com pouco investimento no produto. “A qualidade dos produtos alimentícios da indústria brasileira sempre foi baixa, com muito açúcar e gordura. O que a indústria faz é diminuir um pouco esses ingredientes e cobrar muito mais caro. Um investimento de até 10% em um produto permite que o fabricante cobre até o dobro do preço. O investimento, inclusive, pode ser apenas na embalagem”, avalia.
Mas o investimento no marketing, segundo ele, costuma ser três vezes maior.
Nas gôndolas, essa diferença é perceptível. O quilo do sal, ambos iodados, sem outra diferença, pode variar até 233% de um “comum” para um “premium”. De acordo com o local da compra, o quilo de farofa pode variar de R$ 19,66 a R$ 174. Isso com pouca variação entre ingredientes, mas a segunda vem em um pote de vidro, e a embalagem valoriza pontos como “sem glúten” e “sem lactose”, características comuns a qualquer farofa.
Uma gôndola de supermercado em BH trazia uma curiosa diferença. Salsicha com rótulo gourmet era 320% mais cara do que uma marca comum. A diferença de preço do quilo, de R$ 6,90 para R$ 29,90, não era justificada pelos ingredientes estampados nos rótulos, que eram os mesmos.
Os consumidores, porém, acreditam que adquirir um produto gourmet é garantia de qualidade. “O produto gourmet tem uma qualidade maior, por isso não me incomodo de pagar um pouco mais”, conta a empresária Ana Carolina Cançado de Andrade, 23. “Quando tem uma alternativa diferenciada, premium, opto por ela pela qualidade superior”, afirma o médico Custódio Aleixo, 65.
Outro lado: Moradia impacta consumo Para a pesquisadora Ana Clara Duran, da Faculdade de Saúde Pública da USP, a distância de centros comerciais dificulta que moradores de periferias tenham acesso a produtos nutritivos. “Ouve-se muito que as pessoas em regiões mais afastadas da cidade e do país estão aumentando o consumo de comida processada, mas primeiro precisamos analisar a logística de distribuição para esses lugares, como está e se está chegando alimento fresco”, diz.
O preço de hortaliças e frutas também impacta a escolha. Para ela, o problema não passa só pela reeducação alimentar.
Pessoal, o que essa notícia pode nos ajudar a entender sobre Classe Social e Consumo?